Fabricio Augusto de Oliveira
Possui graduação em Ciências Econômicas
pela Universidade Estadual de Campinas (1973), Mestrado em Economia pela
Universidade Estadual de Campinas (1978) e Doutorado em Economia também pela
Universidade Estadual de Campinas. Foi professor-adjunto da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (1979-1985); professor-adjunto da
Universidade Federal de Minas Gerais (1987-1990), professor livre-docente da
Universidade Estadual de Campinas (1985-1998) e professor-visitante da
Universidade Federal do Espírito Santo (1996-1998; 2000). Leciona, desde 1998,
na Escola de Governo da Fundação João Pinheiro, em Belo Horizonte. Suas
áreas de pesquisa são: Economia do Setor Público, Finanças Públicas, Políticas
Públicas, Economia Brasileira e Economia Regional.
Reportagem retirada da Revista Mercado Comum, Set./Out.
2010, ano XVIII, Ed.
209
Choque de Gestão – Verdades
e Mitos
1. Introdução
Choque
de Gestão foi a expressão cunhada pela administração Aécio Neves (2003-2010)
para denominar seu programa de governo. Com este título-fantasia, o programa
representava, em sua essência, uma crítica aos seus antecessores, ao mesmo
tempo em que descortinava um futuro promissor para o estado de Minas Gerais.
No
tocante à crítica, com ele vendeu-se a imagem de que a administração estadual
padecia de uma gestão altamente ineficiente, que os governos anteriores ou não
se empenharam em corrigir ou mesmo contribuíram para piorar, o que explicaria a
situação caótica de suas finanças e a impotência do governo de exercer alguma
ação proativa para o desenvolvimento do estado. Quanto ao futuro, a confiança
de que, com a sua implementação, o governo do estado, uma vez saneado
financeiramente e resgatada sua eficiência na gestão dos recursos públicos,
teria condições de pavimentar os caminhos do crescimento e de colocá-lo
numa trajetória sustentável.
É
essa essência do programa que o atual governo e candidato à eleição, Antônio
Anastasia, que foi o seu principal gestor, destaca quando afirma que com
ele objetivou-se "colocar um mínimo de ordem na casa", uma condição
necessária para o crescimento, a geração de emprego e a melhoria das condições
de vida da população. Nessa visão, tudo se passa como se a "casa"
tivesse sido encontrada inteiramente desarrumada pela inépcia de seus
antecessores, Eduardo Azeredo e Itamar Franco, seus atuais companheiros e
importantes apoiadores de sua candidatura, e de ter sido necessário a "mão
salvadora e criativa" do Choque de Gestão para corrigir
essa anomalia e recolocar o governo nos trilhos do compromisso com o
equilíbrio, com a responsabilidade fiscal e com a eficiência, e a economia do
estado no trajetória do crescimento econômico.
Em
1989, o candidato à presidência da República Mário Covas usou a expressão
Choque de Capitalismo com o objetivo de chamar a atenção para o fato de que a
livre iniciativa, por não assumir os riscos inerentes aos investimentos
privados, tornava-se um grande fardo para o Estadoe prejudicava a população,
reduzindo ou mesmo privando-a da oferta de bens públicos, ao drenar parte
importante de seus recursos. Por isso, o Choque de Capitalismo seria vital para
o setor privado assumir esses riscos e liberar o Estado para o desempenho de suas
funções mais tradicionais. Na visão dos governos Aécio e Antônio Anastásia, o
Choque de Gestãodesempenha papel semelhante, mas com o governo do estado
libertando-se de sua paralisia, com a adoção de uma política de saneamento
financeiro e de recuperação de uma gestão eficiente dos recursos públicos,
essenciais para o apoio e incentivo ao desenvolvimento econômico e social.
Passados
oito anos de sua implementação, neste trabalho procura-se fazer uma avaliação
dos resultados com ele alcançados, especialmente nas duas questões às quais se
apegam seus idealizadores para vender uma imagem de competência e de sucesso: o
saneamento financeiro do estado e o crescimento econômico. Como se verá, com os
números em seguida apresentados, o Choque de Gestão nada mais passa de um
produto de marketing vendido com eficiência para a população do estado -
e também do país -, e que tem rendido bons dividendos - políticos, econômicos e
financeiros - para os que o conceberam, à medida que continua distante, na
realidade, de alcançar os principais objetivos a que se propôs.
2. O saneamento financeiro do governo do
estado: ilusões contábeis
Desde
o primeiro ano de seu primeiro mandato, o governo Aécio Neves imprimiu à sua
administração a marca do compromisso com o equilíbrio das contas públicas,
etapa considerada indispensável para o êxito de seu programa. Naquele ano, o
orçamento aprovado ainda no governo Itamar Franco, elaborado com a previsão de
algumas receitas fictícias, acusava um déficit potencial de R$2,3 bilhões,
indicando dificuldades para sua administração. Como paladino de um rigoroso
ajuste fiscal, o novo governo implementou, ao longo deste primeiro ano, uma
série de medidas, que se encontram relacionadas no Quadro 1, centradas
principalmente no corte de gastos, para tentar reverter essa situação. No final
do ano, o déficit orçamentário havia sido reduzido para R$228 milhões e tal
melhoria serviu de argumento para dar início à construção do mito do déficit
zero, que se transformaria na principal bandeira e suposta conquista do
governo.
Quadro
1. Governo de Minas: principais medidas adotadas no campo fiscal no âmbito do
programa Choque de Gestão
Receitas
|
Gastos
|
Programa Modernizador da Receita:
·
Adoção do Simples Minas
·
Desoneração tributária de 150 produtos da cesta
básica
·
Simplificação de procedimentos tributários
·
Inclusão de novas mercadorias no instituto de
substituição tributária
·
Adoção de medidas reativas à guerra fiscal
·
Intensificação do combate à sonegação
Revisão e elevação das alíquotas do IPVA, ITCD e das taxas;
Melhoria da receita patrimonial (dividendos das estatais estaduais,
remuneração dos serviços bancários, administração da rede bancária da folha
de pagamento do estado);
Reajuste no valor da Unidade Fiscal do Estado de Minas Gerais (UFEMG);
Incremento das receitas da administração indireta (fundações, autarquias
etc.).
|
Decreto de contingenciamento, em 2003, de 20% das despesas financiadas com
recursos ordinários do Tesouro em relação aos valores executados em 2002:
redução real de 5,9% das despesas de custo e de 29,2% dos investimentos;
Congelamento do salário do funcionalismo: queda real de 5% das despesas
com salários;
Reforma Administrativa do Estado: redução de 30% no número das
secretárias, mediante fusão; exclusão de 1858 cargos comissionados;
Revisão geral e extinção de benefícios do funcionalismo;
Redução dos salários do governador, do Vice, dos secretários de estados e
dos secretários-adjuntos;
Centralização da folha de pagamento do funcionalismo na Secretaria de
Estado do Planejamento e Gestão;
Criação do sistema de compras do estado por meio de leilões eletrônicos;
Aprovação das Parcerias Público-Privadas (PPPs), com o objetivo de obter
recursos para a realização de investimentos. |
Na
verdade, nem o governo acreditava que poderia obter resultados tão rápidos
neste campo. No PPAG de 2004-2007, por exemplo, projetava-se a obtenção de
resultados orçamentários positivos, excluídas as contratações de operações de
crédito (de dívida) apenas para o último ano, prevendo-se que de todo o seu
primeiro mandato continuaria marcado pela continuidade de desequilíbrios
fiscais. O resultado de 2003, alcançado graças à política de
"caça-ao-gasto" e à obtenção de apreciáveis receitas
extra-orçamentárias, despertou, contudo, a nova administração, para a
possibilidade de sua instrumentalização como uma conquista da política de
austeridade implementada e de competência e zelo do novo governo com os
recursos públicos. Afinal, que outro resultado obtido em prazo tão curto seria
capaz de traduzir, para uma população descrente dos gestores públicos e dos
descalabros orçamentários de muitos governos, tamanho grau de eficiência? Na
esteira do Choque de Gestão, o mito do déficit zero começou a ganhar forma e
força e a ser tranformado no símbolo de eficiência da administração Aécio
Neves, especialmente a aprtir de 2004.
É
bem provável que, se mantida a mesma política implementada no primeiro ano, de
corte de gastos e de ganhos extra-orçamentários, os resultados do ajuste
realizado tenderiam muito rapidamente a esbarrar em limites intransponíveis.
Todavia, a retomada mais exuberante do crescimento da economia brasileira
a partir deste ano, ao derramar efeitos altamente positivos para a economia do
estado, permitiu à nova administração modificar a equação do ajuste, deslocando
o seu principal instrumento para o lado das receitas. Com o forte crescimento
dessas, os resultadosorçamentários tornaram-se positivos, já a partir do ano de
2004 (antes, portanto, das projeções realizadas no PPAG de 2004-2007),
aparentemente confirmando o sucesso do Choque de Gestão neste campo, como se
pode contatar pelo exame da Tabela 1, de acordo com o critérioutilizado pelo
governo para sua divulgação. A partir daí, Choque de Gestão e eficiência da
gestão pública tornaram-se sinônimos de competência e, num trabalho de refinado
marketing, o programa ganhou as páginas da imprensa do país como exemplo a ser
seguido pelas administrações públicas de modo geral. Uma análise mais acurada
dos resultados contidos na mesma tabela desvela, contudo, tratarem-se os memsos
mais de ficção do que de realidade.
Tabela
1. Governo do estado de Minas Gerais: resultado orçamentário e operações de
crédito - 2002-2009. (Em R$
mil correntes)
Ano
|
Resultado Orçamentário, incluídas
as Operações de Crédito (1)*
|
Operações de Crédito (2)
|
Resultado orçamentário, excluídas
as Operações de Créditos (1-2)*
|
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
|
-874.341
-227.873
90.651
221.654
81.127
190.101
623.970
299.296
|
70.104
21.746
11.739
63.656
252.967
196.302
556.857
1.305.741
|
-944.445
-249.619
78.912
157.998
-171.840
-6.201
67.113
-1.006.445
|
(*) - défict (-); superávit (+)
Fontes> Andrade (2009) e Secretaria da Fazenda de Minas Gerais
– Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária (RREO), 6º bimestre, 2002-2009
Para
vender uma imagem de competência e eficiência, o governo passou a divulgar os
resultados orçamentários, que se encontram na primeira coluna da tabela, e que
efetivamente se tornaram positivos a partir de 2004. Embora desconhecido pela
população de modo geral, qualquer estudante da área de finanças públicas
aprende, contudo, desde o início, que este conceito nada significa para a
avaliação dos resultados das contas públicas. Isto porque, entre outros
motivos, ele inclui, do lado das receitas, os empréstimos e financiamentos
realizados pelo governo (ou seja, as dívidas contratadas), podendo, por isso,
esconder desequilíbrios em uma situação aparente de equilíbrio. No afã de
mostrar resultados positivos, o governo não divulgou este fato e passou a usar
este conceito em sua campanha publicitária do déficit zero como o melhor
retrato da eficiência de sua gestão.
Excluindo,
como se faz na terceira coluna da tabela, os empréstimos tomados anualmente
pelo governo, a realidade dos resultados de suas contas começa a se modificar:
como se percebe, em apenas três anos (2004, 2005 e 2008) seriam obtidos
superávits e, ainda assim, bem modestos, registrando-se déficits nos demais. No
acumulado de todo o período do governo Aécio Neves, ou seja, entre 2003 e 2009,
o tão propalado equilíbrio fiscal (que o governo continua chamando de déficit
zero) transforma-se, com estes ajustes, em um déficit de R$1,18 bilhão, a
preços de 2009. Este é, no entanto, apenas um lado da história da farsa do
déficit zero.
Com
a renegociação da dívida realizada pelos estados com a União no final da década
de 1990, com prazo de 30 anos (até 2.028), dos encargos financeiros dessa
dívida (atualização monetária pelo IGP-DI + juros reais de 7,5% no caso de
Minas Gerais), o contrato exigiu que o governo do estado destinasse 13% de sua
receita líquida real (um conceito próximo ao de receita corrente líquida) para
o seu pagamento. Ocorre que os 13% costumam ser, via de regra, insuficientes
para pagar estes encargos, com o resíduo (ou seja, os encargos não pagos) sendo
incorporados diretamente ao estoque da dívida, sem passar, portanto, pelo
orçamento. A contabilidade peculiar que surgiu em decorrência dos termos da
dívida renegociada com a União também ajuda a mascarar o resultado orçamentário
efetivo, à medida que a parcela dos juros nominais que não são pagos não é
registrada no orçamento, apesar de constituir uma despesa. Se nele inscrita,
como manda a boa técnica orçamentária, ter-se-ia como contrapartida, do lado
das receitas, uma rubrica de "refinamento da dívida" (que equivale à
de operações de crédito) e, em decorrência, o tão decantado déficit zero
transforma-se-ia em desequilíbrio de grande magnitude.
Por
isso, como recomenda a boa contabilidade de avaliação das contas públicas, o
correto é trabalhar com um conceito que contempla essas questões e faz a
apropriação adequada das receitas e despesas do governo, caso das Necessidades
de Financiamento do Setor Público (NFSP), nos critérios primário e nominal. A
tabela 2 apresenta estes resultados para o período que vai de 2003 a 2009 e, de seu exame,
é possível constatar o grande desequilíbrio das contas do governo do estado, ao
contrario do que difundiu, desde 2003, sua campanha publicitária.
Tabela
2 . Governo do estado de Minas Gerais: resultados primários e nominal e receita
corrente líquida: 2003-2009. (em
R$ milhões correntes)
Ano
|
Resultados*
|
Receita Corrente Líquida
|
1/3(%)
|
2/3(%)
|
Primário (1)
|
Nominal (2)
|
2003
|
-1.283,4
|
3.892,5
|
13.846,8
|
-9,25
|
28,07
|
2004
|
-1.523,3
|
2.998,0
|
16.696,0
|
-9,12
|
17,95
|
2005
|
-1.928,3
|
1.556,1
|
19.550,3
|
-9,86
|
7,95
|
2006
|
-1.937,1
|
2.060,9
|
22.083,4
|
-9,39
|
9,33
|
2007
|
-2.308,8
|
2.941,1
|
23.803,7
|
-9,69
|
12,35
|
2008
|
-2.971,3
|
6.122,8
|
29.242,5
|
-10,16
|
20,93
|
2009
|
-1.732,7
|
977,3
|
29.118,5
|
-5,95
|
3,35
|
Fonte: Secretaria da Fazenda do Estado de MG. Relatórios resumidos
da Execução Orçamentária (RREO), 6º bimestre, 2003-2009. (*) déficit (+);
superávit (-)
Como se
constata na tabela, o governo tem sido obrigado, por força do contrato da
dívida, a gerar apreciáveis superávits primários para honrar o pagamento de
parcela de seus encargos, estabelecida em 13% de sua receita líquida real. Essa
considerável economia de recursos não tem sido suficiente, contudo, para o
pagamento integral destes encargos, fazendo com que a contabilização de seus
resíduos, que são diretamente incorporados ao estoque da dívida, garanta a
geração de elevados déficits, juntamente com o reconhecimento de outras dívidas
(passivos ocultos), que têm garantido uma trajetória de firme e ininterrupto
crescimento do estoque da dívida consolidada do governo do estado, como se
mostra na tabela 3.
Como se vê na
tabela, embora tenha declinado como proporção da receita corrente líquida do
governo do estado entre 2003-2009, muito devido ao espetacular crescimento
desta no mesmo período (aumento do denominador), beneficiada pela forte
expansão da economia nacional e mineira, o estoque da dívida continuou
crescendo em velocidade de cruzeiro: em termos nominais saltou de R$33 bilhões,
em 2003, para R$59 bilhões, em 2009 (aumento de 80%); em termos reais
(descontando-se a inflação), registro-se um crescimento considerável de 15%. Se
o governo tivesse conseguido, de fato, realizar um ajuste estrutural de suas
contas e zerar o déficit fiscal, como divulgado em sua campanha publicitária,
como explicar este crescimento se este decorre, a par do reconhecimento de
passivos contingentes, de desequilíbrios orçamentários, mesmo que resultantes
da realização de investimentos¹? Só mesmo uma "contabilidade
criativa", como a que tem sido desenvolvida pelo governo, seria capaz de
transformar este inferno de desequilíbrios em um paraíso de equilíbrio fiscal.
Se isso é muito, não é, entretanto, tudo.
¹Na verdade, os principais investimentos realizados pelo governo
do estado Aécio Neves não contaram efetivamente com recursos do Tesouro, não se
podendo creditar ao suposto ajuste realizado, ao Choque de Gestão, portanto,
contribuindo para sua materialização. O Proacesso foi totalmente financiado com
recursos do Banco Mundial; o Expominas, a Linha Verde, a Cidade Administrativa
e a duplicação da Av. Antônio Carlos, com recursos da CODEMIG, obtidas com a
receita de royalties da exploração do nióbio de Araxá.
Tabela 3.
Evolução da dívida contratada do Estado de Minas Gerais² - Dezembro 200 - maio
2010. (Em R$ mil correntes)
Data
|
Dívida a preços correntes (1)
|
Dívida a preços constantes* (2)
|
Receita Corrente Líquida (30
|
1/3 (%)
|
31/12/2002
|
32.861,6
|
51.410,8
|
12.542,0
|
2,62
|
31/12/2003
|
36.787,2
|
52.362,9
|
13.864,8
|
2,65
|
31/12/2004
|
42.336,1
|
53.699,3
|
16.696,0
|
2,53
|
31/12/2005
|
43.819,9
|
54.659,3
|
19.550,3
|
2,24
|
31/12/2006
|
47.233,6
|
56.869,5
|
22.083,4
|
2,13
|
31/12/2007
|
50.458,6
|
56.984,8
|
23.803,7
|
2,11
|
31/12/2008
|
56.191,2
|
57.067,0
|
29.242,5
|
1,92
|
31/12/2009
|
56.533,4
|
58.444,4
|
29.118,5
|
1,94
|
31/05/2010
|
59.113,5
|
59.113,5
|
ND
|
ND
|
²Não coincide com os dados da Dívida Consolidada Líquida (DCL)
publicada pelo governo. Inclui, além da dívida com o Tesouro Nacional, dívidas
contratadas junto às instituições financeiras públicas e privadas.
*Valores corrigidos pelo IGP-DI
Embora
não seja possível quantificá-los, boa parte dos ganhos atribuídos ao Choque de
Gestão nada tem a ver com o seu arcaboço, enquanto outros foram obtidos com o
sacrifício do funcionalismo público e de políticas sociais. Entre os primeiros,
cabe destacar:
·
Ganhos extra-orçamentários:
do lado das receitas, R$2203 milhões vieram do governo federal relativos ao
ressarcimento de despesas do estado realizadas nas estradas federais,
negociados no último ano da administração Itamar Franco. A esses ganhos se
somaram os provenientes da receita da Constituição de Intervenção no Domínio
Econômico sobre os combustíveis, a CIDE-combustíveis, a partir de 2004, fruto
da reforma tributária de 2003, e os das anistias fiscais realizadas na
administração Aécio Neves. Em 2008, por exemplo, de uma receita da dívida ativa
orçada em R$166 milhões, a arrecadação atingiu expressivos R$ 610 milhões,
devido à anistia concedida. Do lado dos gastos, o governo estadual deixaria de
pagar R$250 milhões à CEMIG, em 2003, referente aos encargos da CRC, enquanto o
governo federal aceitaria o pleito do governo do estado de abater R$119,5
milhões no montante que teria de pagar à União relativos aos encargos da dívida
renegociada;
·
Crescimento econômico:
depois de amargar um longo período de estagnação econômica, a economia
brasileira, beneficiada pelo boom da economia mundial no período 2003-2008,
ingressou numa rota de firme expansão, disseminando seus efeitos por todo país
e catapultando as receitas tributárias. Em Minas Gerais, a
receita corrente líquida do governo do estado cresceu, em termos nominais,
132,2% entre 2002 e 2009, e, deflacionados pelo IGP-DI, 32,2% em termos reais.
Ou seja, por um evevnto externo ao Choque de Gestão, o governo foi altamente
beneficiado pela conjuntura econômica, o que lhe permitiu avançar mais
rapidamente na melhora dos indicadores da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Por outro
lado, enquanto a receita líquida do governo crescia nessa velocidade de
cruzeiro, as despesas com o pessoal passaram a regredir, em termos reais, só
retornando, em 2009, ao patamar que haviam atingido no último ano da
administração Itamar Franco, como mostra a Tabela 4. Para isso, ao congelamento
dos salários decretado, em 2003, pelo governo Aécio Neves, somaram-se
subreajustes nos anos seguintes, combinados com a retirada/extinção de vários
de seus direitos, sempre em nome do ajuste fiscal e da eficiência do Choque de
Gestão. Ao lado das políticas sociais, notadamente a saúde e a educação, teria
sido também o arrocho dos salários do funcionalismo público a grande fonte de
ganhos para garantir o suposto sucesso do programa.
Tabela 4.
Governo do estado de Minas Gerais: gasto com pessoal e receita corrente
líquida: 2002-2009(Em R$ mil
correntes)
Ano
|
Gasto com Pessoal
|
Receita Corrente Líquida
|
Valores nominais
|
Valores reais*
|
Valores nominais
|
Valores reais*
|
2002
|
9.163,6
|
16.076,4
|
12.542,0
|
22.003,3
|
2003
|
9.302,7
|
13.920,2
|
13.864,8
|
19.807,8
|
2004
|
9.710,0
|
12.680,2
|
16.696,0
|
21.803,1
|
2005
|
10.212,8
|
12.235,6
|
19.550,3
|
23.442,5
|
2006
|
11.860,0
|
13.967,4
|
22.083,4
|
26.007,3
|
2007
|
13.282,7
|
14.886,6
|
23.803,4
|
26.677,7
|
2008
|
15.883,2
|
16.003,9
|
29.242,5
|
29.464,7
|
2009
|
16.142,1
|
16.142,1
|
29.118,5
|
29.118,5
|
Variação (%): 09/2002
|
76,2
|
0,4
|
132,2
|
32,3
|
*Valores deflacionados pelo IGP-DI
Fonte: Secretaria da Fazenda do estado de MG
Não é de estranhar,
nessa situação, que, na ausência de um ajuste estrutural das contas públicas,
as finanças do governo de Minas tenham sido severamente fustigadas pela crise
econômica de 2007-2008, que, como um rastilho de pólvora, se espalhou
rapidamente pelo mundo e que deve continuar mantendo desaquecida a atividade
econômica ainda por um longo período. E nem que sérias dificuldades para a
gestão de suas finanças se avizinham rapidamente, cuja solução deve representar
um grande desafio para o próximo governo. Entre essas dificuldades para a
gestão das contas públicas, cabe apontar:
·
Pressão de gastos
decorrentes do reajuste geral do funcionalismo público concedido pela
administração Aécio Neves em abril deste ano, acrescido de um adicional de 10%
para os servidores da educação, previsto para entrar em vigor em janeiro de
2011. Com relação Gastos com Pessoal/Receita Corrente Líquida (GP/RCL) batendo
no piso prudencial estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o
próximo governo poderá enfrentar dificuldades para administrar essa situação, a
menos que a receita do governo seja premiada com um crescimento espetacular, o
que não é muito provável num cenário de grandes incertezas na economia mundial;
·
Aumento de gastos que
pode ser exigido para a área da saúde, caso aprovados os Projetos PLP 306/08 (e
PLS 121/08) que regulamenta o que pode ser considerado efetivamente como “ações
e serviços de saúde” para cálculo dos percentuais previstos na Emenda
Constitucional n. 29/2000, já que atualmente, de acordo com o SIOPS/MS, o
governo do estado aplica bem menos recursos do que os 12% exigidos pela lei;
·
O maior engessamento
do orçamento que pode ocorrer devido a essas pressões coloca, assim, sérias
dificuldades para o novo governo nele acomodar os projetos mais prioritários de
sua administração. Estudo elaborado por Chevitarese (2009, p.125-6) confirma
que mesmo no melhor ano do governo do primeiro mandato de Aécio Neves, em 2006,
este só conseguiu contar com apenas 10% de “receitas livres”, dado o elevado
grau de engessamento do orçamento, o que dá bem a dimensão de como essa questão
pode piorar nos próximos anos;
·
Como o Choque de
Gestão efetivamente não deu nenhuma solução para a dívida do estado, a qual,
pelo contrário, continuou em trajetória de firme crescimento, o próximo governo
não pode descuidar-se de buscar uma solução junto ao governo federal,
renegociando suas condições, para impedir tanto que ela continue atuando como
uma trava para as políticas públicas como para que seu custo não penalize
excessivamente as gerações futuras.
3. O crescimento econômico: ficando para trás
A segunda pedra angular do Choque de Gestão foi o
crescimento econômico. Apoiou-se da idéia-força de que, saneadas as contas do
estado, o governo disporia de condições de investimentos para comandar as
transformações da economia, modernizá-la e conduzi-la a um patamar superior ao
alcançado em seu passado histórico. Um ambisioso programa de projetos
estruturados foi divulgado com grande pompa para essa finalidade. Mas, ainda
hoje, seusefeitos ainda não parecem ter se refletido na economia, pois essa
continua ficando para trás na corrida que se trava entre os estados do país,
como mostra a Tabela 5.
Tabela 5. Minas Gerias e Brasil: taxa de crescimento do PIB
e participação de Minas no PIB brasileiro: 1995-2009
Ano
|
Taxa de crescimento do PIB
(%)
|
PIB Minas/PIB Brasil
|
Minas
|
Brasil
|
1995
|
3,2
|
4,2
|
8,6
|
1996
|
3,7
|
2,2
|
8,8
|
1997
|
3,0
|
3,4
|
8,8
|
1998
|
-0,3
|
0,0
|
8,6
|
1999
|
0,1
|
0,3
|
8,4
|
2000
|
5,1
|
4,3
|
8,5
|
2001
|
-0,1
|
1,3
|
8,5
|
2002
|
3,7
|
2,7
|
8,6
|
2003
|
1,4
|
1,1
|
8,8
|
2004
|
5,9
|
5,7
|
9,1
|
2005
|
4,0
|
3,2
|
9,0
|
2006
|
3,9
|
4,0
|
9,1
|
2007
|
5,6
|
6,1
|
9,1
|
2008
|
5,9
|
5,1
|
9,1
|
2009
|
-2,7
|
-0,2
|
8,9
|
Média 1995-2009
|
2,79
|
2,87
|
|
Média 1999-2002
|
2,18
|
2,12
|
|
Média 2003-2009
|
3,37
|
3,55
|
|
Fonte; IBGE e Fundação João Pinheiro
Como se percebe de seu exame, mesmo contando com um ciclo
de crescimento altamente favorável tanto da economia mundial como da
brasileira, do período 2004-2008, condição que potencializa sua expansão, dadas
as características de sua estrutura produtiva especializada na produção de bens
intermediários e de commodities, ainda assim a economia mineira registrou uma
taxa média anual, entre 2003 e 2009, de 3,37%, inferiorà verificada para o
Brasil, que alcançou 3,49%. Uma tendência que vem se mantendo desde 1995: deste
último ano, passado pelas administrações de Eduardo Azerede e Itamar Franco,
até 2009, enquanto a economia nacional registrou uma taxa média anual de 2,94%,
a de Minas situou-se em 2,75%.
Não surpreende, assim, que o Estado de Minas venha
perdendo, gradativamente, importância no cenário nacional: atualmente ocupa
apenas a terceira posição no ranking das economias estaduais, tendo perdido a
segunda posição para o Rio de Janeiro. Sua participação relativa no PIB, que já
esteve próxima de 9,5%, não passou em 2009 de 8,9%, conforme os dados daTabela
5, um nível equivalente ao que já detinha na década de 1990. Na produção
agropecuária, em que manteve a liderança por muito tempo, foi ultrapassado por
São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná, ocupando, hoje, apenas o 4º lugar. Em termos
de renda per capita, cabe-lhe apenas a 10ª posição no ranking dos estados
brasileiros.
Mais grave continua sendo a distribuição extremamente
desigual dos frutos deste crescimento: 199 municípios do estado (23,3% do
total) geram um PIB per capita inferior a 30% da média brasileira; 533
municípios (62,5%), um PIB inferior a 50% da média registrada para o país. Não
sem razão, o estado situa-se na 8ª colocação dos indicadores de concentração de
renda do país, a mesma posição que detêm, entre os estados brasileiros, no Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH)
Regionalmente, a produção se encontra altamente concentrada
em três macrorregiões, Central, Sul e Triângulo, que detêm 70% do PIB estadual,
enquanto, juntas, as do Jequitinhonha e Mucuri, Noroeste e Norte de Minas
chegam a 7,5%. Considerando apenas a produção industrial, essa distribuição
ainda é mais desigual: enquanto as três primeiras regiões responderam por 75%
do produto industrial, em 2007,
a das três últimas não foi além de 5,1%. Uma realidade de que se tem notícia de
que o Choque de Gestão tenha contribuído para modificar.