Sem perder o alegre anarquismo que ajudou a revolucionar o estilo de vida da mocidade de hoje, o conjunto elevou-se a um nível superior de desenvolvimento, transformação, experimentação... e arte.
A capa de um recente LP intitulado Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band é a fotomontagem de uma
sepultura. Multidão curiosa essa:
Marilyn Monroe está ali. E estão também Edgar Allan Poe, Lawrence da Arábia,
Mae West, Sonny Liston e oito Beatles.
Oito? Bem, quatro são bonecos de cera, os Beatles como estão
na lembrança da maioria, com cabelos compridos bem escovados, ternos escuros e
rostos que parecem de petulantes meninos de côro. Os outros quatro Beatles
estão mais que vivos: magros, com aspecto de hippies, bigodudos, envergando vistosos e bizarros uniformes, com
os olhos a brilhar de uma consciência tocada de uma ponta do antigo espírito
travesso. Quanto à sepultura em primeiro plano, vê-se nela o nome Beatles
escrito com flores.
Zombando de si mesmos, o que é típico deles, os Beatles
proclamam que apagaram a sua velha personalidade a fim de darem lugar aos novos
Beatles. E há nisso alguma verdade. Ricos e consagrados o bastante, hoje,
podendo continuar a repetir-se – ou simplesmente não fazerem mais nada – eles
estão, em vez disso, criando alguns dos sons mais originais, expressivos e
musicalmente interessantes que se ouvem atualmente na música popular.
Músicos sérios estão ouvindo os Beatles e apontando sua obra
como um marco histórico no progresso da música. Ned Rorem, compositor de
algumas das melhores canções eruditas da atualidade, afirma que a obsedante
composição dos Beatles intitulada She’s
Leaving Home (“Ela Esta Deixando a Casa”) – uma das 12 canções do álbum Sgt Pepper’s – “compara-se a qualquer
das canções que Schubert escreveu”. A opinião do maestro Leonard Bernstein é
igualmente elogiosa: ele cita Schumann. Como diz o musicólogo Henry Plesants:
“Os Beatles estão onde esta a música no momento.”
Hábeis Colagens. Como todos os bons artistas populares, os Beatles têm a capacidade de destilar o estado de espírito do seu tempo. As músicas alegres de Gilbert e Sullivan retratavam a empáfia do Império Britânico vitoriano; a urbanidade de Cole Poter foi um tônico admirável para as ressacas da década de 1930; as baladas de Rodgers e Hammerstein refletiram o sentimento e a seriedade da era da Segunda Guerra Mundial. Hoje as hábeis colagens dos Beatles juntam fragmentos de tensão entre as gerações, a solidão da deslocada década de 1960 e o agridoce do amor jovem em qualquer época. Ao mesmo tempo, a sensibilidade que têm para o absurdo é mais aguda do que nunca.
Hábeis Colagens. Como todos os bons artistas populares, os Beatles têm a capacidade de destilar o estado de espírito do seu tempo. As músicas alegres de Gilbert e Sullivan retratavam a empáfia do Império Britânico vitoriano; a urbanidade de Cole Poter foi um tônico admirável para as ressacas da década de 1930; as baladas de Rodgers e Hammerstein refletiram o sentimento e a seriedade da era da Segunda Guerra Mundial. Hoje as hábeis colagens dos Beatles juntam fragmentos de tensão entre as gerações, a solidão da deslocada década de 1960 e o agridoce do amor jovem em qualquer época. Ao mesmo tempo, a sensibilidade que têm para o absurdo é mais aguda do que nunca.
As primeiras músicas dos Beatles tinham exuberância e um
ocasional oásis de inesperada harmonia, mas fora disso fundiam-se minotonamente
nos desertos calcinados do rock. I Want
to Hold Your Hand (“Quero Segurar Tua Mão”), do primeiro álbum dos Beatles –
do qual se venderam 5 milhões de discos desde 1964 – tinha uma letra de amor
esteriotipada feita para uma melodia sem imaginação. Mas os rapazes logo
acharam ridículos os seus sons convencionais e versos infantis. John Lennon, o
principal letrista do grupo, começou a aproximar-se do cantar popular
norte-americano Bob Dylan. Não foi tanto a intratável cólera de Dylan que
Lennon achou interessante como esforço para “dizer as coisas como elas são”.
Pouco a pouco, a obra dos Beatles começou a dizê-las assim também. Uma canção
deles de 1965, Nowhere Man, “Homem de
Nenhum Lugar” (“Não tem opinião, não sabe para onde vai”), perguntava: “Não é
um pouco como você e como eu?”
Um abandono ainda mais radical das banalidades do Big Beat (“Grande Ritmo”) se verificou
quando o fazedor de música Paul McCartney começou a manifestar um insuspeitavel
dom lírico. Em 1965 ele cantou a mais bela das suas valadas, Yesterday (“Ontem”), com acompanhamento
de um octeto de cordas – um gênero novo e bem sucedido, o rock barroco. Outra
forma ainda, o raga-rock, começou
depois que George Harrison se entusiasmou pela música indiana, estudada com o
virtuoso indiano do sitar Ravi Shankar, e introduziu um breve motivo de sitar Norwegian Wood (“Floresta Norueguesa”)
de 1965. Quase todos os músicos populares estão atualmente fazendo experiências
com o sitar.
Todos os êxitos dos últimos dois anos foram um prenúncio do
álbum Sgt Pepper’s, que mais do que
qualquer outra coisa dramatiza o brilho dos novos Beatles. Em três meses
vendeu-se o espantoso número de 2 500 000 discos – cada um deles uma carga
garantida de arrepios psíquicos. Vagamente subordinado a um plano que joga a
nova contra a velha geração, o disco fervilha de efeitos eletrônicos da era
espacial e letras engenhosas; acima de tudo prova que os Beatles chegaram ao
seu florescimento como músicos.
Profetas do “Pop”.
Agora que a música dos Beatles se vai tornando mais complexa e difícil, eles
estão perdendo alguns de seus fãs mais jovens. Mas os novos Beatles
conquistaram um público diferente e muito mais sensível. “De repente”, diz
George Harrison, “descobrimos que todas as pessoas que se julgavam acima dos
Beatles são fãs deles.” Isso inclui não apenas estudantes universitários, mas
também pais, professores e até homens de negócio.
Se a garotada do rock
transformou os Beatles em divindades, muitos adultos agora fazem deles profetas
de arte pop e tendem a teorizar solenemente
o seu significado. O Referendo B. Davie Napier, capelão da Universidade de
Stanford, está convencido de que Sgt.
Pepper’s “desvenda a sinistra solidão e o terror destes tempos vazios”. O
psiquiatra Tom Leland diz que os Beatles “estão falando existencialmente sobre
a falta de sentido da atualidade”.
Miados de Imitação.
Não faz muito tempo o mundo pop
estava estagnado numa calmaria, com cantores brancos sem rumo miando falsificação
de música negra! Então, no começo da década de 1960, os Beatles, ao lado de
outros grupos ingleses, revitalizaram o rock’n’roll,
imitando de perto (e admitindo francamente) os seus criadores negros. E
enquanto os Beatles marchavam à frente, semeando inovações próprias, deixavam
campos florescentes para que outros grupos os cultivassem.
Mas entre todos os grupos dinâmicos e imaginosos existentes,
nenhum até agora conseguiu a originalidade e a força da fórmula dos Beatles,
que os elevou à sua posição supramusical. É verdade que os seus flertes com
entorpecentes e a atitude escapista que esta no fundo de canções como A Day in the Life (“Um Dia na Vida”)
desconsertam muitos fãs, para não falar em pais preocupados. Mas embora os
quatro Beatles tenham confessado que tomam LSD ao menos ocasionalmente, Paul
McCartney disse: “Não recomendo. Pode abrir algumas portas, mas não é a
solução. A gente tem de achar a solução por si mesma.”
Cantar Como é.
Quando os Beatles falam, milhões de pessoas escutam e, por mais imaturas que
sejam às vezes suas idéias, os Beatles são um exemplo de rejuvenescedora
desconfiança da autoridade, desdém pelas convenções e impaciência com a hipocrisia.
Os garotos vêem neles uma espécie de destemida honestidade e admiram sua
liberdade e largueza de vistas; consideram-nos como seus iguais em condições de
tentar qualquer coisa e em quem podem confiar para lhes dizerem o que querem
ouvir. Quanto aos pais que são alvo das observações satíricas dos Beatles, parece
que são capazes de receber um grande número de golpes diretos e ainda sorrir.
Walter Robinson, homem de relações públicas e pai de três filhos, diz “Os
Beatles abrem novos caminhos, são uma vanguarda que inspira confiança. Acho bom
que meus filhos os compreendam.”
Para evitar confusões, os Beatles mantêm sua vida particular
dentro de um labirinto de sebes e muros altos, guardas de segurança e telefones
secretos. De vez em quando fazem surtidas a boates de Londres como “Bag of
Nails” e “Speakeasy”, mas têm de planejá-las quase militarmente, levando em
conta o fator surpresa e um caminho pronto para a retirada no caso de serem
envolvidos pela multidão. Fora disso, vivem num luxo tranqüilo – como bem podem fazer, considerando-se a renda de
discos, filmes, televisão, músicas editadas e direitos autorais, bem como de
vários contratos para a produção de mercadorias relacionadas com eles. Os
cálculos mais modestos situam a fortuna líquida de Harrison e Ringo Star em três
milhões de dólares cada um e a de Lennon e McCarteney em quatro milhões de
dólares (por causa do que ganham a mais como compositores).
Dentro do Labirinto.
Os três Beatles casados e suas esposas tão parecidas possuem grandes casas em
Weybridge, elegante subúrbio residencial, a 40 minutos de Londres. John, de 27
anos, e sua esposa Cynthia e Julian, filho do casal, moram numa mansão em
estilo Túdor com piscina. Ladeira abaixo, fica Sunny Heights, bela casa de 15
peças, onde Ringo, hoje com 27 anos, se compraz na vidinha doméstica em companhia
da mulher, Maureen, e de dois filhinhos, Zak e Jason. George, com 24 anos, e
sua esposa, Patti, vivem perto num
grande bangalô branco com fachada coberta de desenhos colorifos, flores e obras
abstratas. Paul, com 25 anos, solteiro, vive no próspero bairro de St. John’s
Wood, na cidade, numa casa de muros altos, curiosamente decorada, para um gosto
Beatles, com pitoresco bom gosto, inclusive com uma antiquada toalha rendada na
mesa da sala de jantar.
Os Beatles mantêm permanente contato entre si, entrando e
saindo nas casas uns dos outros como se formassem uma só família – o que, de
certo modo, formam. A amizade entre eles é um laço de extraordinária intimidade
e simpatia. Não só estão unidos pelo simples fato de serem Beatles, mas também
têm em comum a sua origem na baixa classe média de Liverpool coberta de fuligem
e sombras vitorianas. Paul, filho de um vendedor de algodão, e John, que foi
criado por uma tia depois que o pai abandonou a família, tocavam juntos desde
1955. George, fiilho de um motorista de ônibus, uniu-se a eles em 1958. Dois
anos depois, conheceram Ringo (Richard Stankey), filho de um estivador.
Tocar numa orquestra em Liverpool oferecia não apenas
satisfação musical, mas também um meio de ser alguém – especialmente com as
garotas locais. E depois que se ligaram a Brian Epstein, que habilmente dirigiu
a carreira deles até que morreu em agosto do ano passado, foi um meio de sair
de Liverpool.
Em conjunto, o quarteto é uma tomada elétrica de quatro saídas,
cada qual dando centelha ao circuito à sua maneira. Paul, extrovertido e
loquaz, irradia um brilho de simpatia. É quem resolve as coisas, explicador,
tão agradavelmente simples na vida como na composição de melodias. George,
outrora o menos visíveis deles, concentra agora as suas energias na música e na
filosofia da Índia. É o melhor instrumentista do conjunto e sempre tocou
primeiro violão. Ringo, inteiramente despretensioso, é também o grande
temperamento cômico inato do grupo. Dos quatro, é o catalisador e também o
realista. O mais misterioso de todos – e talvez o mais importante – é John, o
elemento criador. Espírito mais ponderado e forte do que os outros, vem se
mostrando nestes últimos tempos estranhamente pensativo e reservado.
Quadros sonoros.
Desde que os Beatles, há cerca de um ano, deixaram de excursionar, cada qual
deles teve mais liberdade para dedicar-se às suas atividades individuais. John
recebeu um dos principais papéis no próximo filme de Richard Lester intitulado How I Won the War (“Como Ganhei a Guerra”)
e Paul escreveu uma boa partitura musical para o recente filme The Family Way (“Vida de Família”). Mas
a atividade mais compensadora é ainda a que exercem em grupo – gravar discos.
Transformaram-se de uma equipe de representação “ao vivo”
num grupo experimental de laboratório e fizeram do estúdio de gravação o seu
pandemônio eletrônico particular. Para conseguirem os estranhos efeitos de Sgt. Pepper’s, gastaram até 20 horas com
um número, trabalhando às vezes a noite inteira.
Alguns observadores prevêem que os “quadros sonoros”
resultantes venham a ser o veículo através do qual os grupos de rock poderão fundir-se com a música
erudita contemporânea. Robert Tusler, que ensina música do século XX na
Universidade da Califórnia, em Los Angeles, já diz que “os Beatles adotaram
muitos dos conceitos eletrônicos da música que foram explorados pelos
compositores alemães do grupo de Colônia. Fizeram uma imensa contribuição para
a música eletrônica”.
Diante do que até agora conseguiram, seria imprudente
contestar George quando diz: “Nós ainda nem começamos. Apenas descobrimos o que
podemos fazer como músicos, que fronteiras podemos transpor. O futuro se
estende muito além da nossa imaginação.”
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