sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Do Yin Yang ao I Ching

O PENSAMENTO CHINÊS

Quando o Budismo chegou à China, por volta do séc. I da era cristã, encontrou aí uma cultura que possuía mais de dois milênios de existência. Nessa cultura antiga, o pensamento filosófico havia alcançado sua culminância durante o final do período Chou (apr. 500-220 a.C.), a idade de ouro da filosofia chinesa, merecendo desde então a mais alta estima.
Desde o início, essa filosofia apresentou dois aspectos complementares. Por serem um povo pratico, com uma consciência social altamente desenvolvida, os chineses contavam com escolas filosóficas voltadas, de uma forma ou de outra, para a vida em sociedade, com usas relações humanas, valores morais e governo. Esse, no entanto, é só um dos aspectos do pensamento chinês. Completando-o, encontra-se o lado místico do caráter chinês; este aspecto exigia que o lado mais elevado da filosofia deveria ser o de transcender o mundo da sociedade e da vida cotidiana e alcançar um plano mais elevado de consciência. Este é o plano do sábio, o ideal chinês do homem iluminado que alcançou a unidade mística com o universo.
O sábio chinês, contudo, não habita exclusivamente esse elevado plano espiritual; preocupa-se igualmente com as questões do mundo. Unifica em si mesmo os dois lados complementares da natureza humana - a sabedoria intuitiva e o conhecimento pratico, a contemplação e a ação social - que os chineses associaram às imagens do sábio e do rei. Seres humanos plenamente realizados, nas palavras de Chuang Tsé, "tornam-se sábios por sua tranquilidade, reais por seus movimentos".

Os chineses, à semelhança dos indianos, acreditavam na existencia de uma realidade ultima que é subjacente e que unifica todas as coisas e fatos que observamos.
Essa realidade é denominada o Tao, palavra que, originalmente, significava "o Caminho". É o caminho ou processo do universo, a ordem da natureza. Em tempos mais recentes, os confucionistas conferiram a esse termo interpretações distintas. Assim, falaram do Tao do homem ou do Tao da sociedade humana, entendendo-o como um modo de vida, num sentido moral.
Em seu significado cósmico original, o Tao é a realidade última e indefinível como tal, é o equivalente do Brahman induísta e do Dharmakaya budista. Difere, no entanto, desses dois conceitos indianos em razão de sua qualidade intrinsecamente dinâmica que constitui, na visão chinesa, a essencia do universo. O Tao é o processo cósmico no qual se acham envolvidas todas as coisas; o mundo é visto como um fluxo contínuo, uma mudança contínua.
O Budismo indiano, com sua doutrina da impermanência, tinha uma visao semelhante; contudo, ele se utilizou dessa visao simplesmente como premissa básica da situação humana, partindo daí para elaborar suas conseqüências psicologicas. Os chineses, por outro lado, não apenas acreditavam que o fluxo e a mudança constituíssem as facetas essenciais da natureza mas, igualmente, que existem padrões constantes nessas mudanças, que podem ser observados por homens e mulheres. O sábio reconhece esses padroes e dirige suas açoes de acordo com eles. Desse modo, ele se torna "Uno com o Tao", vivendo em harmonia com a natureza e logrando sucesso em tudo aquilo que busque levar a cabo. Nas palavras de Huai Nan Tsé, filósofo do séc. II da era cristã:
"Aquele que age em conformidade com o curso do Tao, seguindo os processos naturais do Céu e da Terra, acha fácil manipular o mundo todo."
Quais são, portanto, os padroes do Caminho cósmico que os seres humanos devem reconhecer? A característica principal do Tao é a natureza cíclica de seu movimento e sua mudança incessantes. "O retorno é o movimento do Tao", afirma Lao Tsé, e "afastar-se significa retornar". Essa idéia é a de que todos os desenvolvimentos ocorridos na natureza, quer no mundo físico, quer nas situações humanas, apresentam padrões cíclicos de ida e vinda, de expansão e contração.
Essa idéia deriva, sem dúvida, dos movimentos do Sol e da Lua e da mudança das estações, mas também era encarada como uma regra de vida. Os chineses crêem que sempre que uma situação se desenvolva até atingir seu ponto extremo, é compelida a voltar e a se tornar o seu oposto. Essa crença básica lhes dá coragem e perseverança em tempos de dificuldade enquanto os torna cautelosos e modestos em tempos de sucesso. Ela os levou à doutrina do meio termo, aceita tanto pelos taoístas como pelos confucionistas. "O sábio", afirma Lao Tsé, "evita o excesso, a extravagância e a indulgência".

A idéia de padrões cíclicos no movimento do Tao recebeu uma estrutura precisa com a introdução dos opostos polares yin e yang. São eles os dois pólos que estabelecem os limites para os ciclos de mudança:
O yang, tendo alcançado seu apogeu, retrocede em favor do yin; o yin, tendo alcançado seu apogeu, retrocede em favor do yang.
Na concepção chinesa, todas as manifestações do Tao são geradas pela inter-relação dinâmica dessas duas forças polares. Essa idéia é bastante antiga e muitas gerações aperfeiçoaram o simbolismo do par arquetípico yin e yang até que ele veio a se tornar o conceito fundamental do pensamento chinês. O significado original das palavras yin e yang correspondia aos lados ensombreado e enssolarado de uma montanha, significado este que nos dá uma boa idéia acerca da relatividade dos dois conceitos:
Aquilo que ora nos apresenta a escuridão e ora nos mostra a luz é o Tao.
Desde os primeiros tempos, os dois pólos arquetípicos da natureza foram representados não apenas pelo claro e pelo escuro mas, igualmente, pelo masculino e feminino, pelo inflexível e pelo dócil, pelo acima e pelo abaixo. Yang, o forte, o masculino, o poder criador era associado ao Céu, enquanto yin, o escuro, o receptivo, o feminino, o maternal, era representado pela Terra. O Céu está acima e está cheio de movimento; a Terra - na antiga concepção geocêntrica - está embaixo e em repouso; dessa forma, yang passou a simbolizar o movimento e yin o repouso. No reino do pensamento, yin é a mente intuitiva, feminina e complexa, ao passo que yang é o intelecto masculino, racional e claro. Yin é a tranquilidade contemplativa do sábio, yang a vigorosa ação criativa do rei.
O caráter dinâmico do yin e do yang é representado pelo antigo símbolo chinês denominado T'aichi T'u, ou "Diagrama do Supremo Fundamental":


Esse diagrama apresenta uma disposição simétrica do yin sombrio e do yang claro; a simetria, contudo, não é estática. É uma simetria rotacional que sugere, de forma eloquente, um contínuo movimento cíclico:
O yang retorna ciclicamente ao seu início, o yin atinge seu apogeu e cede lugar ao yang.
Os dois pontos do diagrama simbolizam a idéia de que toda vez que cada uma das forças atinge seu ponto extremo, manifesta dentro de si a semente de seu oposto.
O par yin-yang é o grande leitmotiv que permeia a cultura chinesa e determina todas as facetas do tradicional modo de vida chinês. "A vida", diz Chuang Tsé, "é a harmonia combinada do yin e do yang". Por se tratar de uma nação de agricultores, os chineses sempre estiveram familiarizados com os movimentos do Sol e da Lua, e com a mudança das estações. As mudanças sazonais e os fenômenos delas resultantes, do crescimento e decadência presentes na natureza orgânica eram encarados pelos chineses como as expressões mais evidentes da inter-relação entre o yin e o yang. Para os chineses, obtém-se uma dieta saudável balanceando esses elementos yin e yang.
A medicina tradicional chinesa também se baseia no equilíbrio do yin e do yang no corpo humano, sendo qualquer doença encarada como um rompimento desse equilíbrio. O corpo acha-se dividido em partes yin e yang. Globalmente falando, o interior do corpo é yang e sua superfície, yin; a parte posterior é yang, a dianteira é yin; dentro do corpo, existem órgãos yin e yang. O equilíbrio entre todas essas partes é mantido por intermédio de um fluxo contínuo de ch'i, ou energia vital, que corre ao longo de um sistema de "meridianos" que contém os pontos utilizados na acupuntura. Cada órgão dispõem de um meridiano associado, de tal sorte que meridianos yang pertencem a órgãos yin e vice-versa. Sempre que o fluxo entre o yin e o yang é bloqueado, o corpo adoece; a doença, contudo, pode ser curada fixando agulhas nos pontos de acupuntura para estimular e restaurar o fluxo de ch'i.
A interação entre yin e yang, o par primordial de opostos, aparece assim como o princípio que guia todos os movimentos do Tao. Os chineses, contudo, não param aí. Eles estudaram diversas combinações de yin e yang, que desenvolveram até atingir a forma de um sistema de arquétipos cósmicos. Esse sistema é elaborado no I Ching, ou Livro das Mutações.


Retirado do livro O Tao da Física - Fritjof Capra

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