quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Zeca Baleiro - 2002 - Pet Shop Mundo Cão



















Um disco capaz de surpreender muita gente, em especial por algumas de suas letras. Músicas revelando veias marxistas do artista, como em "Eu Despedi o Meu Patrão", que lhe roubava o que ele mais valia, e outras amarguradas, ou mesmo revelando um Zeca realmente deprimido com esse mundo, como na música "O Mundo dos Negócios".


1 Minha tribo sou eu
2 Eu despedi o meu patrão
3 O hacker
4 Telegrama
5 Mundo dos negócios
6 Guru da galera
7 Drumembêis
8 Um filho e um cachorro
9 Fiz esta canção
10 As meninas dos Jardins
11 Mundo cão (vinheta)
12 Filho da véia
13 A serpente
14 Meu nome é Nelson Rodrigues (vinheta)


segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Do Samba Canção à Bossa Nova

Pós-guerra - A "dor-de-cotovelo" - Pré-bossa


Ao final da década de 40, o samba, a primeira revolução musical genuinamente brasileira, as alegres marchas, estavam basicamente confinadas ao período de carnaval. O pós-guerra deixara cicatrizes em toda a produção cultural mundial. Não surpreendem as letras doloridas em vozes chorosas que invadiam o rádio. Dezenas de milhões de mortos. Bombas no Japão. Europa dividida e arrasada. O Brasil não estava indiferente. Sofria com "dor de cotovelo", mergulhado na "fossa".
Toda a poesia das canções estava carregada de uma atmosfera spleen ultra-romântica. O ritmo da moda no rádio o ano inteira era o samba-canção, com letras que tratavam de solidão, desespero, traição, amores desfeitos, como notou Ruy Castro, num "festival de almas torturadas".
Emblemáticas desse estilo são os sambas-canção do compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues, como Felicidade, gravada originalmente em 1947 pelo conjunto vocal Quitandinha Serenaders:

Felicidade foi-se embora
E a saudade no meu peito
Ainda mora
E é por isso que eu gosto
Lá de fora
Porque sei que a falsidade
Não vigora

E a década de 50 começou, e junto veio o auge da "música de fossa'. Em 1952, o "rei da voz", Francisco Alves (Chico Viola), morreria em um acidente de automóvel; em 1954, Getúlio se suicidaria; em 1955 Carmem Miranda faleceria em Los Angeles. O Brasil estava triste.

Contribuiu para essa tristeza a perda da Copa do Mundo de futebol. Depois de uma campanha arrasadora, a seleção brasileira só precisaria empatar na ultima partida contra o Uruguai, para se sagrar campeã. Depois de estar vencendo por 1x0, permitiu que o time da camisa azul celeste virasse o placar para 2x1, na inauguração do Maracanã, no Rio de Janeiro. Foi um dos maiores traumas da historia da cultura popular brasileira. A auto estima estava baixíssima, a ponto do jornalista, escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues ter proposto a teoria segundo a qual éramos, perante o mundo, acometidos de uma síndrome de vira-latas.

A musica de "dor de cotovelo" era a versao brasileira do blues norte americano, e viria a revelar importantes cantoras, como Silvia Telles, Maysa e Dolores Duran - as duas ultimas tambem compositoras.

O grande sucesso de 1952 foi Ninguem me ama, de Antonio Maria e Fernando Lobo:

Ninguém me ama
Ninguém me quer
Ninguém me chama
De meu amor


A intérprete era a estreante Nora Ney, egressa do fã-clube de Dick Farney. Os fãs-clubes de Farney e Lucio Alves eram reduto para jovens que rejeitavam samba, carnaval e queriam consumir musica norte americana, sobretudo o jazz. Em meio a tristesa com o tiro e a carta de Vargas e com as letras desesperadas das musicas "dor de cotovelo", estava sendo semeado o decreto de chega de baixo astral!

Nos encontros nos fãs-clubes, além de consumir música, fazia-se música. Chamavam a atenção as inovacões harmônicas de Johnny Alf ao piano e de João Donato ao acordeão, que podem ser entendidas como pre-bossa.

O "presidente Bossa-nova"

Depois da tentativa de golpe, em 1955, em 56, enfim, Juscelino Kubitschek era empossado o novo presidente do Brasil. Sob o slogan "50 anos em 5", baseado na busca de um crescimento acelerado do pais, JK desnacionalizou boa parte de nossa indústria, permitindo assim a entrada de capital estrangeiro e tecnologia importada.

Brasil-exportação

De Diamantina, terra de JK, partiria o baiano João Gilberto em 1957 rumo Rio de Janeiro, com uma novidade que muita gente estava esperando no Brasil. A batida do violao.

A beira da praia, na Zona Sul do Rio, os garotos Roberto Menescal e Carlos Lyra, influenciados pela musica do violonista Barney Kessel, buscavam uma musica que nada tivesse a ver com o "Ninguém me ama/Ninguém me quer". Tocavam violão e mantinham uma academia para ensinar o instrumento. Uma das alunas foi a capixaba Nara Leao, cujo amplo apartamento em Copacabana era um templo da musica que estava nascendo na ainda capital do Brasil.

Joao Gilberto apresentou seu violao a Roberto Menescal, que espantado com aquilo tratou de leva-lo para que todos o conhecessem. Mas quem viu o mundo se descortinar diante da batida de João Gilberto foi Tom Jobim.

Há algum tempo, Jobim vinha procurando uma maneira de inovar a harmonia do samba. O samba-canção era uma possibilidade, mas ainda assim limitada. Ja havia assinado parcerias com Dolores Duran e Billy Blanco. Mas seu grande parceiro na Bossa Nova viria a ser o poeta e diplomata Vinicius de Moraes.

Ja haviam composto juntos a trilha sonora de Orfeu da Conceição, adaptacao de Vinicius para a tragédia grega no carnaval. Uma das canções que acabou não sendo aproveitada pela peça foi uma experiencia de Jobim com o choro que Vinicius pôs letra. A canção ficou engavetada um ano, até que Joao Gilberto apareceu com seu violão.

Diante daquela batida seca que simplificava ao extremo o samba, Tom percebeu as possibilidades para as harmonias complicadas que estava inventando. Lembrou-se da canção engavetada que viria a ser gravada em dois discos históricos em 1958. O primeiro é o LP Canção do amor demais - com todas as composições de Tom e Vinicius na voz de Elizeth Cardoso. O segundo seria um 78 rpm de Joao Gilberto. A canção decreta o fim da tristesa e o fim da "fossa". A harmonia ao longo da primeira estrofe é em tom menor, o que realça o tema da tristeza.

A partir da segunda estrofe, com a conjunção adversativa Mas, ocorre uma reviravolta na letra, instala-se a alegria e a harmonia se dá em tom maior, reforcando a oposição e a mudanca de clima com predominio da alegria sobre a tristesa.



O nacionalismo seria o principal argumento contra a Bossa Nova. Seus críticos, principalmente devido ao momento político da década de 60, irão acusá-la de ser música americana, "entreguista", de ofender a música brasileira, especialmente o samba. Bom, o importante é que já estava iniciada a profunda mudança na música brasileira que iria ganhar o mundo inteiro. Duas canções que João Gilberto viria a gravar podem ser entendidas como verdadeiros manifestos da estética da Bossa Nova. Trata-se das metalinguísticas Desafinado, onde o termo Bossa Nova aparece pela primeira vez, e Samba de uma nota só.

Casamento perfeito entre letra e música, compostas por uma parceria igualmente perfeita, Tom Jobim e Newton Mendonça, que infelizmente morreu muito cedo, e acabou deixando à Vinícius a tarefa de ser o grande poeta da Bossa.



Por mais que se acuse a Bossa Nova de americanizada, é injusto atribuir a acusação a João Gilberto. Ao final do século, computadas todas as canções que ele gravou, observa-se que mais de 70% são canções antigas, genuinamente brasileiras que ele recriou ao seu estilo. A música brasileira sim ganhou uma nova roupagem elegante e tornou-se produto de exportação digno de ser consumido no mundo inteiro, muito diferente do exotismo caricatural de Carmem Miranda.

Caetano Veloso, em seu livro Verdade tropical, consegue explicar como ninguém a ligação de João Gilberto com as raízes da música brasileira. Caetano lembra de um samba-canção - Caminhos cruzados - de Tom Jobim, gravado pela cantora e compositora Maysa na fase pré-Bossa Nova ("dor de cotovelo") e regravado por João Gilberto: "A interpretação de João é mais introspectiva que a de Maysa, e também violentamente menos dramática; mas, se na gravação dela os elementos do ritmo original do samba foram lançados ao esquecimento quase total pela concepção do arranjo e sobretudo pelas inflexões do fraseado, na dele chega-se a ouvir com o ouvido interior - o surdão de um bloco de rua batendo com descansada regularidade de ponta a ponta da canção. É uma aula de como o samba pode estar inteiro mesmo nas suas formas mais aparentemente descaracterizadas; um modo de, radicalizando o refinamento, reencontrar a mão do primeiro preto batendo no couro da primeira atabaque no nascedouro do samba.

Nos primeiros anos de seu deslumbramento com a Bossa Nova, o jovem compositor Caetano chegou a escrever:

Clever boy samba (1964)

'Come to me my melancoly'
Samba agora é assim
Se não é bossa nova
Não está pra mim
Pra mim, João Gilberto
Orlandivo é uma coisa só...

O verso Pra mim, João Gilberto/E Orlandivo é uma coisa só faz referencia a um dos primeiros desdobramentos da Bossa Nova: o samba de balanço ou sambalanço, que teve no cantor e compositor Orlan Divo seu mais eminente expoente. Enquanto a Bossa Nova era mais elitizada, feita para se ouvir e se apreciar sentado, o sambalanço, herdeiro das mesmas influências norte americanas, era para se ouvir dançando.

No início do séc. XXI, Orlan Divo agradeceria aos "piratas' a sobrevivência de seu nome. Por conta das cópias não autorizadas, hoje o artista é mais conhecido no exterior do que no Brasil. 


Retirado (parcialmente editado) do livro Brasil Século XXI - Ao Pé da Letra da Canção Popular

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Baiano & Os Novos Caetanos - 1974 - Baiano & Os Novos Caetanos




















O disco em questão foi lançado em 1974 para aproveitar o sucesso dos personagens Baiano e Paulinho, criados por Chico Anysio e representados, respectivamente, por ele e seu maior parceiro, o cantor, compositor, ator e também humorista Arnaud Rodrigues. O grupo Baiano & Os Novos Caetanos fazia engraçadas aparições no Chico City, um dos vários programas que Chico Anysio teve na grade de programação da TV Globo durante os anos 70. Ao que consta, a idéia dos personagens surgiu da revolta que a prisão e o exílio de Caetano e Gil causaram em todo o meio artístico - servia como sátira, sim (incluindo no meio os Novos Baianos, de Moraes Moreira e Luiz Galvão), mas era uma homenagem a dois artistas cuja prisão sequer pôde ser noticada decentemente nos jornais nacionais, devido à censura. Atitudes como a da dupla Chico/Arnaud e a de outra dupla, Roberto e Erasmo (ao compor "Debaixo dos caracóis dos seus cabelos" para Caetano) ajudavam a passar a mensagem por debaixo da porta - e versos como o do maior sucesso de Baiano & Os Novos Caetanos, já diziam tudo. "Vô batê pá tu", parceria de Arnaud Rodrigues e do samba-rockeiro Orlandivo, pegava pesado na questão da delação de artistas subversivos durante o período da ditadura ("vô batê pá tu/batê pá tú/pá tu batê/pá amanhã a pá não me dizê/que eu não bati pá tu/pá tu podê batê"), incluindo ainda um discurso bem próximo do som bandido de Bezerra da Silva ("deduração/um cara louco que dançou com tudo/entregação do dedo de veludo"). O som era um samba-rock nordestino, suingado. A música era ambientada como se fosse um quadro de Chico City, com palmas, risadas e até participação de outro personagem de Chico, Lingote, mais perdido que cego em tiroteio ("falôôôô, é isso aí, malandro... tem que se ligar aí nesse som... mas o que é que eu tô fazendo nesse disco, malandragem?").


01. Vô Batê pá Tu
02. Nega
03. Cidadão da Mata
04. Urubu Tá com Raiva do Boi
05. Aldeia
06. Ciranda
07. Folia de Rei
08. Véio Zuza
09. Selva de Feras
10. Tributo ao Regional
11. Dendalei



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Retirado de Brazilian Nuggets

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

The Beatles - 1965 - Help!



















Album trilha sonora do segundo filme dos Beatles. Pode não ser dos mais importantes álbuns dos Beatles, embora seja até uma heresia falar de álbum mais ou menos importante dos Beatles, mas enfim, com certeza é um dos que eu mais gosto, quisá o mais. Ele é bem aquela atmosfera britânica dos anos 60, que de lá partiu e conquistou o mundo.


01 - Help! (Lennon/McCartney);
02 - The Night Before (Lennon/McCartney);
03 - You've Got to Hide Your Love Away (Lennon/McCartney);
04 - I Need You (Harrison);
05 - Another Girl (Lennon/McCartney);
06 - You're Going to Lose That Girl (Lennon/McCartney);
07 - Ticket to Ride (Lennon/McCartney);
08 - Act Naturally (Morrison/Russel);
09 - It's Only Love (Lennon/McCartney);
10 - You Like Me Too Much (Harrison);
11 - Tell Me What You See (Lennon/McCartney);
12 - I've Just Seen a Face (Lennon/McCartney);
13 - Yesterday (Lennon/McCartney);
14 - Dizzy Miss Lizzy (Williams).



quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Choque de Gestão governo Aécio Neves - Verdades e Mitos


Fabricio Augusto de Oliveira

Possui graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Campinas (1973), Mestrado em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (1978) e Doutorado em Economia também pela Universidade Estadual de Campinas. Foi professor-adjunto da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (1979-1985); professor-adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais (1987-1990), professor livre-docente da Universidade Estadual de Campinas (1985-1998) e professor-visitante da Universidade Federal do Espírito Santo (1996-1998; 2000). Leciona, desde 1998, na Escola de Governo da Fundação João Pinheiro, em Belo Horizonte. Suas áreas de pesquisa são: Economia do Setor Público, Finanças Públicas, Políticas Públicas, Economia Brasileira e Economia Regional.



Reportagem retirada da Revista Mercado Comum, Set./Out. 2010, ano XVIII, Ed. 209

Choque de Gestão – Verdades e Mitos


1. Introdução

Choque de Gestão foi a expressão cunhada pela administração Aécio Neves (2003-2010) para denominar seu programa de governo. Com este título-fantasia, o programa representava, em sua essência, uma crítica aos seus antecessores, ao mesmo tempo em que descortinava um futuro promissor para o estado de Minas Gerais.

No tocante à crítica, com ele vendeu-se a imagem de que a administração estadual padecia de uma gestão altamente ineficiente, que os governos anteriores ou não se empenharam em corrigir ou mesmo contribuíram para piorar, o que explicaria a situação caótica de suas finanças e a impotência do governo de exercer alguma ação proativa para o desenvolvimento do estado. Quanto ao futuro, a confiança de que, com a sua implementação, o governo do estado, uma vez saneado financeiramente e resgatada sua eficiência na gestão dos recursos públicos, teria condições de pavimentar os caminhos do crescimento e de colocá-lo numa trajetória sustentável.

É essa essência do programa que o atual governo e candidato à eleição, Antônio Anastasia, que foi o seu principal  gestor, destaca quando afirma que com ele objetivou-se "colocar um mínimo de ordem na casa", uma condição necessária para o crescimento, a geração de emprego e a melhoria das condições de vida da população. Nessa visão, tudo se passa como se a "casa" tivesse sido encontrada inteiramente desarrumada pela inépcia de seus antecessores, Eduardo Azeredo e Itamar Franco, seus atuais companheiros e importantes apoiadores de sua candidatura, e de ter sido necessário a "mão salvadora e criativa" do Choque de Gestão para corrigir essa anomalia e recolocar o governo nos trilhos do compromisso com o equilíbrio, com a responsabilidade fiscal e com a eficiência, e a economia do estado  no trajetória do crescimento econômico.

Em 1989, o candidato à presidência da República Mário Covas usou a expressão Choque de Capitalismo com o objetivo de chamar a atenção para o fato de que a livre iniciativa, por não assumir os riscos inerentes aos investimentos privados, tornava-se um grande fardo para o Estadoe prejudicava a população, reduzindo ou mesmo privando-a da oferta de bens públicos, ao drenar parte importante de seus recursos. Por isso, o Choque de Capitalismo seria vital para o setor privado assumir esses riscos e liberar o Estado para o desempenho de suas funções mais tradicionais. Na visão dos governos Aécio e Antônio Anastásia, o Choque de Gestãodesempenha papel semelhante, mas com o governo do estado libertando-se de sua paralisia, com a adoção de uma política de saneamento financeiro e de recuperação de uma gestão eficiente dos recursos públicos, essenciais para o apoio e incentivo ao desenvolvimento econômico e social.

Passados oito anos de sua implementação, neste trabalho procura-se fazer uma avaliação dos resultados com ele alcançados, especialmente nas duas questões às quais se apegam seus idealizadores para vender uma imagem de competência e de sucesso: o saneamento financeiro do estado e o crescimento econômico. Como se verá, com os números em seguida apresentados, o Choque de Gestão nada mais passa de um produto de marketing vendido com  eficiência para a população do estado - e também do país -, e que tem rendido bons dividendos - políticos, econômicos e financeiros - para os que o conceberam, à medida que continua distante, na realidade, de alcançar os principais objetivos a que se propôs.

2. O saneamento financeiro do governo do estado: ilusões contábeis

Desde o primeiro ano de seu primeiro mandato, o governo Aécio Neves imprimiu à sua administração a marca do compromisso com o equilíbrio das contas públicas, etapa considerada indispensável para o êxito de seu programa. Naquele ano, o orçamento aprovado ainda no governo Itamar Franco, elaborado com a previsão de algumas receitas  fictícias, acusava um déficit potencial de R$2,3 bilhões, indicando dificuldades para sua administração. Como paladino de um rigoroso ajuste fiscal, o novo governo implementou, ao longo deste primeiro ano, uma série de medidas, que se encontram relacionadas no Quadro 1, centradas principalmente no corte de gastos, para tentar reverter essa situação. No final do ano, o déficit orçamentário havia sido reduzido para R$228 milhões e tal melhoria serviu de argumento para dar início à construção do mito do déficit zero, que se transformaria na principal bandeira e suposta conquista do governo.


Quadro 1. Governo de Minas: principais medidas adotadas no campo fiscal no âmbito do programa Choque de Gestão

Receitas
Gastos

Programa Modernizador da Receita:

·                    Adoção do Simples Minas
·                    Desoneração tributária de 150 produtos da cesta básica
·                    Simplificação de procedimentos tributários
·                    Inclusão de novas mercadorias no instituto de substituição tributária
·                    Adoção de medidas reativas à guerra fiscal
·                    Intensificação do combate à sonegação

Revisão e elevação das alíquotas do IPVA, ITCD e das taxas;

Melhoria da receita patrimonial (dividendos das estatais estaduais, remuneração dos serviços bancários, administração da rede bancária da folha de pagamento do estado);

Reajuste no valor da Unidade Fiscal do Estado de Minas Gerais (UFEMG);

Incremento das receitas da administração indireta (fundações, autarquias etc.).


Decreto de contingenciamento, em 2003, de 20% das despesas financiadas com recursos ordinários do Tesouro em relação aos valores executados em 2002: redução real de 5,9% das despesas de custo e de 29,2% dos investimentos;

Congelamento do salário do funcionalismo: queda real de 5% das despesas com salários;

Reforma Administrativa do Estado: redução de 30% no número das secretárias, mediante fusão; exclusão de 1858 cargos comissionados;

Revisão geral e extinção de benefícios do funcionalismo;

Redução dos salários do governador, do Vice, dos secretários de estados e dos secretários-adjuntos;

Centralização da folha de pagamento do funcionalismo na Secretaria de Estado do Planejamento e Gestão;

Criação do sistema de compras do estado por meio de leilões eletrônicos;

Aprovação das Parcerias Público-Privadas (PPPs), com o objetivo de obter recursos para a realização de investimentos.

Na verdade, nem o governo acreditava que poderia obter resultados tão rápidos neste campo. No PPAG de 2004-2007, por exemplo, projetava-se a obtenção de resultados orçamentários positivos, excluídas as contratações de operações de crédito (de dívida) apenas para o último ano, prevendo-se que de todo o seu primeiro mandato continuaria marcado pela continuidade de desequilíbrios fiscais. O resultado de 2003, alcançado graças à política de "caça-ao-gasto" e à obtenção de apreciáveis receitas extra-orçamentárias, despertou, contudo, a nova administração, para a possibilidade de sua instrumentalização como uma conquista da política de austeridade implementada e de competência e zelo do novo governo com os recursos públicos. Afinal, que outro resultado obtido em prazo tão curto seria capaz de traduzir, para uma população descrente dos gestores públicos e dos descalabros orçamentários de muitos governos, tamanho grau de eficiência? Na esteira do Choque de Gestão, o mito do déficit zero começou a ganhar forma e força e a ser tranformado no símbolo de eficiência da administração Aécio Neves, especialmente a aprtir de 2004.

É bem provável que, se mantida a mesma política implementada no primeiro ano, de corte de gastos e de ganhos extra-orçamentários, os resultados do ajuste realizado tenderiam muito rapidamente a esbarrar em limites intransponíveis. Todavia, a retomada  mais exuberante do crescimento da economia brasileira a partir deste ano, ao derramar efeitos altamente positivos para a economia do estado, permitiu à nova administração modificar a equação do ajuste, deslocando o seu principal instrumento para o lado das receitas. Com o forte crescimento dessas, os resultadosorçamentários tornaram-se positivos, já a partir do ano de 2004 (antes, portanto, das projeções realizadas no PPAG de 2004-2007), aparentemente confirmando o sucesso do Choque de Gestão neste campo, como se pode contatar pelo exame da Tabela 1, de acordo com o critérioutilizado pelo governo para sua divulgação. A partir daí, Choque de Gestão e eficiência da gestão pública tornaram-se sinônimos de competência e, num trabalho de refinado marketing, o programa ganhou as páginas da imprensa do país como exemplo a ser seguido pelas administrações públicas de modo geral. Uma análise mais acurada dos resultados contidos na mesma tabela desvela, contudo, tratarem-se os memsos mais de ficção do que de realidade.

Tabela 1. Governo do estado de Minas Gerais: resultado orçamentário e operações de crédito - 2002-2009. (Em R$ mil correntes)
Ano
Resultado Orçamentário, incluídas as Operações de Crédito (1)*
Operações de Crédito (2)
Resultado orçamentário,   excluídas as Operações de Créditos (1-2)*
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
-874.341
-227.873
90.651
221.654
81.127
190.101
623.970
299.296
70.104
21.746
11.739
63.656
252.967
196.302
556.857
1.305.741
-944.445
-249.619
78.912
157.998
-171.840
-6.201
67.113
-1.006.445
 (*) - défict (-); superávit (+)
Fontes> Andrade (2009) e Secretaria da Fazenda de Minas Gerais – Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária (RREO), 6º bimestre, 2002-2009

Para vender uma imagem de competência e eficiência, o governo passou a divulgar os resultados orçamentários, que se encontram na primeira coluna da tabela, e que efetivamente se tornaram positivos a partir de 2004. Embora desconhecido pela população de modo geral, qualquer estudante da área de finanças públicas aprende, contudo, desde o início, que este conceito nada significa para a avaliação dos resultados das contas públicas. Isto porque, entre outros motivos, ele inclui, do lado das receitas, os empréstimos e financiamentos realizados pelo governo (ou seja, as dívidas contratadas), podendo, por isso, esconder desequilíbrios em uma situação aparente de equilíbrio. No afã de mostrar resultados positivos, o governo não divulgou este fato e passou a usar este conceito em sua campanha publicitária do déficit zero como o melhor retrato da eficiência de sua gestão.

Excluindo, como se faz na terceira coluna da tabela, os empréstimos tomados anualmente pelo governo, a realidade dos resultados de suas contas começa a se modificar: como se percebe, em apenas três anos (2004, 2005 e 2008) seriam obtidos superávits e, ainda assim, bem modestos, registrando-se déficits nos demais. No acumulado de todo o período do governo Aécio Neves, ou seja, entre 2003 e 2009, o tão propalado equilíbrio fiscal (que o governo continua chamando de déficit zero) transforma-se, com estes ajustes, em um déficit de R$1,18 bilhão, a preços de 2009. Este é, no entanto, apenas um lado da história da farsa do déficit zero.

Com a renegociação da dívida realizada pelos estados com a União no final da década de 1990, com prazo de 30 anos (até 2.028), dos encargos financeiros dessa dívida (atualização monetária pelo IGP-DI + juros reais de 7,5% no caso de Minas Gerais), o contrato exigiu que o governo do estado destinasse 13% de sua receita líquida real (um conceito próximo ao de receita corrente líquida) para o seu pagamento. Ocorre que os 13% costumam ser, via de regra, insuficientes para pagar estes encargos, com o resíduo (ou seja, os encargos não pagos) sendo incorporados diretamente ao estoque da dívida, sem passar, portanto, pelo orçamento. A contabilidade peculiar que surgiu em decorrência dos termos da dívida renegociada com a União também ajuda a mascarar o resultado orçamentário efetivo, à medida que a parcela dos juros nominais que não são pagos não é registrada no orçamento, apesar de constituir uma despesa. Se nele inscrita, como manda a boa técnica orçamentária, ter-se-ia como contrapartida, do lado das receitas, uma rubrica de "refinamento da dívida" (que equivale à de operações de crédito) e, em decorrência, o tão decantado déficit zero transforma-se-ia em desequilíbrio de grande magnitude.

Por isso, como recomenda a boa contabilidade de avaliação das contas públicas, o correto é trabalhar com um conceito que contempla essas questões e faz a apropriação adequada das receitas e despesas do governo, caso das Necessidades de Financiamento do Setor Público (NFSP), nos critérios primário e nominal. A tabela 2 apresenta estes resultados para o período que vai de 2003 a 2009 e, de seu exame, é possível constatar o grande desequilíbrio das contas do governo do estado, ao contrario do que difundiu, desde 2003, sua campanha publicitária.

Tabela 2 . Governo do estado de Minas Gerais: resultados primários e nominal e receita corrente líquida: 2003-2009. (em R$ milhões correntes)

Ano

Resultados*
Receita Corrente Líquida

1/3(%)

2/3(%)
Primário (1)
Nominal (2)
2003
-1.283,4
3.892,5
13.846,8
-9,25
28,07
2004
-1.523,3
2.998,0
16.696,0
-9,12
17,95
2005
-1.928,3
1.556,1
19.550,3
-9,86
7,95
2006
-1.937,1
2.060,9
22.083,4
-9,39
9,33
2007
-2.308,8
2.941,1
23.803,7
-9,69
12,35
2008
-2.971,3
6.122,8
29.242,5
-10,16
20,93
2009
-1.732,7
977,3
29.118,5
-5,95
3,35
Fonte: Secretaria da Fazenda do Estado de MG. Relatórios resumidos da Execução Orçamentária (RREO), 6º bimestre, 2003-2009.  (*) déficit (+); superávit (-)

Como se constata na tabela, o governo tem sido obrigado, por força do contrato da dívida, a gerar apreciáveis superávits primários para honrar o pagamento de parcela de seus encargos, estabelecida em 13% de sua receita líquida real. Essa considerável economia de recursos não tem sido suficiente, contudo, para o pagamento integral destes encargos, fazendo com que a contabilização de seus resíduos, que são diretamente incorporados ao estoque da dívida, garanta a geração de elevados déficits, juntamente com o reconhecimento de outras dívidas (passivos ocultos), que têm garantido uma trajetória de firme e ininterrupto crescimento do estoque da dívida consolidada do governo do estado, como se mostra na tabela 3.

Como se vê na tabela, embora tenha declinado como proporção da receita corrente líquida do governo do estado entre 2003-2009, muito devido ao espetacular crescimento desta no mesmo período (aumento do denominador), beneficiada pela forte expansão da economia nacional e mineira, o estoque da dívida continuou crescendo em velocidade de cruzeiro: em termos nominais saltou de R$33 bilhões, em 2003, para R$59 bilhões, em 2009 (aumento de 80%); em termos reais (descontando-se a inflação), registro-se um crescimento considerável de 15%. Se o governo tivesse conseguido, de fato, realizar um ajuste estrutural de suas contas e zerar o déficit fiscal, como divulgado em sua campanha publicitária, como explicar este crescimento se este decorre, a par do reconhecimento de passivos contingentes, de desequilíbrios orçamentários, mesmo que resultantes da realização de investimentos¹? Só mesmo uma "contabilidade criativa", como a que tem sido desenvolvida pelo governo, seria capaz de transformar este inferno de desequilíbrios em um paraíso de equilíbrio fiscal. Se isso é muito, não é, entretanto, tudo.

¹Na verdade, os principais investimentos realizados pelo governo do estado Aécio Neves não contaram efetivamente com recursos do Tesouro, não se podendo creditar ao suposto ajuste realizado, ao Choque de Gestão, portanto, contribuindo para sua materialização. O Proacesso foi totalmente financiado com recursos do Banco Mundial; o Expominas, a Linha Verde, a Cidade Administrativa e a duplicação da Av. Antônio Carlos, com recursos da CODEMIG, obtidas com a receita de royalties da exploração do nióbio de Araxá.

Tabela 3. Evolução da dívida contratada do Estado de Minas Gerais² - Dezembro 200 - maio 2010. (Em R$ mil correntes)

Data
Dívida a preços correntes (1)
Dívida a preços constantes* (2)
Receita Corrente Líquida (30
1/3 (%)
31/12/2002
32.861,6
51.410,8
12.542,0
2,62
31/12/2003
36.787,2
52.362,9
13.864,8
2,65
31/12/2004
42.336,1
53.699,3
16.696,0
2,53
31/12/2005
43.819,9
54.659,3
19.550,3
2,24
31/12/2006
47.233,6
56.869,5
22.083,4
2,13
31/12/2007
50.458,6
56.984,8
23.803,7
2,11
31/12/2008
56.191,2
57.067,0
29.242,5
1,92
31/12/2009
56.533,4
58.444,4
29.118,5
1,94
31/05/2010
59.113,5
59.113,5
ND
ND
²Não coincide com os dados da Dívida Consolidada Líquida (DCL) publicada pelo governo. Inclui, além da dívida com o Tesouro Nacional, dívidas contratadas junto às instituições financeiras públicas e privadas.
*Valores corrigidos pelo IGP-DI

Embora não seja possível quantificá-los, boa parte dos ganhos atribuídos ao Choque de Gestão nada tem a ver com o seu arcaboço, enquanto outros foram obtidos com o sacrifício do funcionalismo público e de políticas sociais. Entre os primeiros, cabe destacar:

·                    Ganhos extra-orçamentários: do lado das receitas, R$2203 milhões vieram do governo federal relativos ao ressarcimento de despesas do estado realizadas nas estradas federais, negociados no último ano da administração Itamar Franco. A esses ganhos se somaram os provenientes da receita da Constituição de Intervenção no Domínio Econômico sobre os combustíveis, a CIDE-combustíveis, a partir de 2004, fruto da reforma tributária de 2003, e os das anistias fiscais realizadas na administração Aécio Neves. Em 2008, por exemplo, de uma receita da dívida ativa orçada em R$166 milhões, a arrecadação atingiu expressivos R$ 610 milhões, devido à anistia concedida. Do lado dos gastos, o governo estadual deixaria de pagar R$250 milhões à CEMIG, em 2003, referente aos encargos da CRC, enquanto o governo federal aceitaria o pleito do governo do estado de abater R$119,5 milhões no montante que teria de pagar à União relativos aos encargos da dívida renegociada;
·                    Crescimento econômico: depois de amargar um longo período de estagnação econômica, a economia brasileira, beneficiada pelo boom da economia mundial no período 2003-2008, ingressou numa rota de firme expansão, disseminando seus efeitos por todo país e catapultando as receitas tributárias. Em Minas Gerais, a receita corrente líquida do governo do estado cresceu, em termos nominais, 132,2% entre 2002 e 2009, e, deflacionados pelo IGP-DI, 32,2% em termos reais. Ou seja, por um evevnto externo ao Choque de Gestão, o governo foi altamente beneficiado pela conjuntura econômica, o que lhe permitiu avançar mais rapidamente na melhora dos indicadores da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Por outro lado, enquanto a receita líquida do governo crescia nessa velocidade de cruzeiro, as despesas com o pessoal passaram a regredir, em termos reais, só retornando, em 2009, ao patamar que haviam atingido no último ano da administração Itamar Franco, como mostra a Tabela 4. Para isso, ao congelamento dos salários decretado, em 2003, pelo governo Aécio Neves, somaram-se subreajustes nos anos seguintes, combinados com a retirada/extinção de vários de seus direitos, sempre em nome do ajuste fiscal e da eficiência do Choque de Gestão. Ao lado das políticas sociais, notadamente a saúde e a educação, teria sido também o arrocho dos salários do funcionalismo público a grande fonte de ganhos para garantir o suposto sucesso do programa.

Tabela 4. Governo do estado de Minas Gerais: gasto com pessoal e receita corrente líquida: 2002-2009(Em R$ mil correntes)

Ano
Gasto com Pessoal
Receita Corrente Líquida
Valores nominais
Valores reais*
Valores nominais
Valores reais*
2002
9.163,6
16.076,4
12.542,0
22.003,3
2003
9.302,7
13.920,2
13.864,8
19.807,8
2004
9.710,0
12.680,2
16.696,0
21.803,1
2005
10.212,8
12.235,6
19.550,3
23.442,5
2006
11.860,0
13.967,4
22.083,4
26.007,3
2007
13.282,7
14.886,6
23.803,4
26.677,7
2008
15.883,2
16.003,9
29.242,5
29.464,7
2009
16.142,1
16.142,1
29.118,5
29.118,5
Variação (%): 09/2002

76,2

0,4

132,2

32,3

*Valores deflacionados pelo IGP-DI
Fonte: Secretaria da Fazenda do estado de MG

Não é de estranhar, nessa situação, que, na ausência de um ajuste estrutural das contas públicas, as finanças do governo de Minas tenham sido severamente fustigadas pela crise econômica de 2007-2008, que, como um rastilho de pólvora, se espalhou rapidamente pelo mundo e que deve continuar mantendo desaquecida a atividade econômica ainda por um longo período. E nem que sérias dificuldades para a gestão de suas finanças se avizinham rapidamente, cuja solução deve representar um grande desafio para o próximo governo. Entre essas dificuldades para a gestão das contas públicas, cabe apontar:

·          Pressão de gastos decorrentes do reajuste geral do funcionalismo público concedido pela administração Aécio Neves em abril deste ano, acrescido de um adicional de 10% para os servidores da educação, previsto para entrar em vigor em janeiro de 2011. Com relação Gastos com Pessoal/Receita Corrente Líquida (GP/RCL) batendo no piso prudencial estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), o próximo governo poderá enfrentar dificuldades para administrar essa situação, a menos que a receita do governo seja premiada com um crescimento espetacular, o que não é muito provável num cenário de grandes incertezas na economia mundial;
·          Aumento de gastos que pode ser exigido para a área da saúde, caso aprovados os Projetos PLP 306/08 (e PLS 121/08) que regulamenta o que pode ser considerado efetivamente como “ações e serviços de saúde” para cálculo dos percentuais previstos na Emenda Constitucional n. 29/2000, já que atualmente, de acordo com o SIOPS/MS, o governo do estado aplica bem menos recursos do que os 12% exigidos pela lei;
·          O maior engessamento do orçamento que pode ocorrer devido a essas pressões coloca, assim, sérias dificuldades para o novo governo nele acomodar os projetos mais prioritários de sua administração. Estudo elaborado por Chevitarese (2009, p.125-6) confirma que mesmo no melhor ano do governo do primeiro mandato de Aécio Neves, em 2006, este só conseguiu contar com apenas 10% de “receitas livres”, dado o elevado grau de engessamento do orçamento, o que dá bem a dimensão de como essa questão pode piorar nos próximos anos;
·          Como o Choque de Gestão efetivamente não deu nenhuma solução para a dívida do estado, a qual, pelo contrário, continuou em trajetória de firme crescimento, o próximo governo não pode descuidar-se de buscar uma solução junto ao governo federal, renegociando suas condições, para impedir tanto que ela continue atuando como uma trava para as políticas públicas como para que seu custo não penalize excessivamente as gerações futuras.

3. O crescimento econômico: ficando para trás

A segunda pedra angular do Choque de Gestão foi o crescimento econômico. Apoiou-se da idéia-força de que, saneadas as contas do estado, o governo disporia de condições de investimentos para comandar as transformações da economia, modernizá-la e conduzi-la a um patamar superior ao alcançado em seu passado histórico. Um ambisioso programa de projetos estruturados foi divulgado com grande pompa para essa finalidade. Mas, ainda hoje, seusefeitos ainda não parecem ter se refletido na economia, pois essa continua ficando para trás na corrida que se trava entre os estados do país, como mostra a Tabela 5.

Tabela 5. Minas Gerias e Brasil: taxa de crescimento do PIB e participação de Minas no PIB brasileiro: 1995-2009
Ano
Taxa de crescimento do PIB (%)
PIB Minas/PIB Brasil
Minas
Brasil
1995
3,2
4,2
8,6
1996
3,7
2,2
8,8
1997
3,0
3,4
8,8
1998
-0,3
0,0
8,6
1999
0,1
0,3
8,4
2000
5,1
4,3
8,5
2001
-0,1
1,3
8,5
2002
3,7
2,7
8,6
2003
1,4
1,1
8,8
2004
5,9
5,7
9,1
2005
4,0
3,2
9,0
2006
3,9
4,0
9,1
2007
5,6
6,1
9,1
2008
5,9
5,1
9,1
2009
-2,7
-0,2
8,9
Média 1995-2009
2,79
2,87

Média 1999-2002
2,18
2,12

Média 2003-2009
3,37
3,55

Fonte; IBGE e Fundação João Pinheiro

Como se percebe de seu exame, mesmo contando com um ciclo de crescimento altamente favorável tanto da economia mundial como da brasileira, do período 2004-2008, condição que potencializa sua expansão, dadas as características de sua estrutura produtiva especializada na produção de bens intermediários e de commodities, ainda assim a economia mineira registrou uma taxa média anual, entre 2003 e 2009, de 3,37%, inferiorà verificada para o Brasil, que alcançou 3,49%. Uma tendência que vem se mantendo desde 1995: deste último ano, passado pelas administrações de Eduardo Azerede e Itamar Franco, até 2009, enquanto a economia nacional registrou uma taxa média anual de 2,94%, a de Minas situou-se em 2,75%.
Não surpreende, assim, que o Estado de Minas venha perdendo, gradativamente, importância no cenário nacional: atualmente ocupa apenas a terceira posição no ranking das economias estaduais, tendo perdido a segunda posição para o Rio de Janeiro. Sua participação relativa no PIB, que já esteve próxima de 9,5%, não passou em 2009 de 8,9%, conforme os dados daTabela 5, um nível equivalente ao que já detinha na década de 1990. Na produção agropecuária, em que manteve a liderança por muito tempo, foi ultrapassado por São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná, ocupando, hoje, apenas o 4º lugar. Em termos de renda per capita, cabe-lhe apenas a 10ª posição no ranking dos estados brasileiros.
Mais grave continua sendo a distribuição extremamente desigual dos frutos deste crescimento: 199 municípios do estado (23,3% do total) geram um PIB per capita inferior a 30% da média brasileira; 533 municípios (62,5%), um PIB inferior a 50% da média registrada para o país. Não sem razão, o estado situa-se na 8ª colocação dos indicadores de concentração de renda do país, a mesma posição que detêm, entre os estados brasileiros, no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
Regionalmente, a produção se encontra altamente concentrada em três macrorregiões, Central, Sul e Triângulo, que detêm 70% do PIB estadual, enquanto, juntas, as do Jequitinhonha e Mucuri, Noroeste e Norte de Minas chegam a 7,5%. Considerando apenas a produção industrial, essa distribuição ainda é mais desigual: enquanto as três primeiras regiões responderam por 75% do produto industrial, em 2007, a das três últimas não foi além de  5,1%. Uma realidade de que se tem notícia de que o Choque de Gestão tenha contribuído para modificar.